domingo, 30 de dezembro de 2012

Nº 36 Uma visão negativa. Rumo a Schopenhauer. Continuação

      Mudando a perspectiva, continuamos focalizando Schopenhauer. Ele nos ensina que entre os homens, surgiu com a razão, por uma conexão necessária, a certeza terrível da morte.Este é o maior pavor da humanidade que o carrega durante toda sua vida. Também aí, Schopenhauer, baseando-se no budismo e no bramanismo, nos dá uma honesta terapia para vencer este medo patológico. Na obra O mundo com Vontade e representação, encontra-se no "Suplemento ao livro quarto", capítulp XLI, o texto "Da morte e sua relação com a indestrutibilidade de nosso ser em si". Vamos citar  alguns pontos que consideramos básicos para ajudar os leitores que não leriam a complicada e longa teoria de Schopenhauer. Aliás, complicadas e longas são todas as obras filosóficas consagradas.

     Se o que faz a morte nos parecer tão assustadora fosse a ideia do não-ser, então deveríamos experimentar o mesmo temor diante do tempo em que ainda não éramos. É inconstetável que nós é que tornamos o não-ser depois da morte diferente daquele  anterior ao nascimento. Então, o primeiro que citamos não merece ser tão lamentado. Toda uma infinidade de tempo fluiu quando ainda não éramos, mas isso não nos aflige de modo algum. É desse ponto de vista que Epicuro examinou a morte e assim tinha toda a razão em dizer "que a morte não nos concerne", pois disse ele que "quando somos, a morte não é, e quando a morte é, não somos mais." (Diógenes Laércio). A perda de algo que não podemos constatar a ausência não é nenhum mal: quem poderá negar? Assim o tornar-se não-ser não poderia nos afetar, da mema forma que o não-ter-sido.

     Teremos sempre noção falsa sobre a indestrutibilidade  de nosso ser verdadeiro pela morte, enquanto não nos decidirmos a abandonar os ensinamentos da religião cristã que recebemsos e a começar a estudar tal característica nos animais. Basta que se entranhe seriamente e de boa vontade  no exame desses vertebrados superiores, para que se perceba claramente que é impossível que esse ser insondável, tal como existe, considerado no seu todo, se reduza a nada; não obstante, por outro lado, conhece-se sua transitoriedade. Também a observação empírica do gênero humano nos leva a entender que todas as qualidades distintivas dos pais se reencontram na criança procriada e que assim superaram a morte. A criança continua a sua espécie. Evidencia-se a Vontade de vida, a força da espécie. Abrimos uns parênteses para dizer que a mema importância à espécie dos seres vivos, Schopenhauer dá no capítulo "Metafísica do
 amor". Muito bom! Deixamos a recomendação que o leiam.

     Se apanharmos um botão, o pendurarmos num fio de linha e lhe dermos um movimento giratório rápido, o botão desaparece, só percebemos um círculo. Assim é a espécie, a realidade existente e permanente, a morte e o nascimento são como vibrações.

     A existência de teu ser, depois da destruição do teu corpo, te parece impossível e inconcebível, mas ela é tão impossível e inconcebível como tua existência atual e como chegaste a ela. Estas considerações são apropriadas para despertar a convicção de que em nós há alguma coisa que a morte não pode destruir. O único meio de obtermos este resultado é o nos elevarmos a um ponto de vista do qual o nascimento não é o começo de nossa existência. Essa parte de nós indestrutível pela morte não é propriamente o indivíduo surgido pela procriação e trazendo em si qualidades do pai e da mãe. O indivíduo se apresenta ademais como uma simples diferença da espécie e, como tal, só pode ser finito. Consequentemente, assim como o indivíduo não guarda nenhuma recordação de sua existência antes do nascimento, do mesmo modo, ele não pode, depois da morte, conservar nenhuma lembrança de sua vida atual. Será? Perguntamos.

     A consciência é a vida do sujeito cognoscente e a morte é seu fim. A consciência é finita, sempre nova, sempre pronta a recomeçar, a renascer. Somente a Vontade permanece, pois ela é a Vontade de vida, uma força que apenas quer existir, se evidenciar num mundo que não passa de uma representação.

     Nota-se nesta postagem e na anterior que a filosofia pessimista atribuída ao filósofo polonês talvez não passe de um preconceito ou um mal entendido, quando analisado com outros olhos e comparada à mensagem de outros homens excelsos da humanidade, como Platão, Nietzsche, Buda, Jesus. Acontece que ele foi honesto em sua filosofia. Não sabemos bem se nele há pessimismo ou puro realismo. É importante reler, por exemplo, o último parágrafo da postagem nº 35 para evidenciar um legado positivo de sua filosofia.

     É pena que a lição de altruísmo e a que ele vaticina para todos uma espécie de eterno retorno, um retorno ao nada existencial ou seja ao nirvana, pela contemplação estética, não tenha a repercussão necessária, pois ele não teve a merecida  aceitação. E quanto  à ideia de alcançar o nirvana, aproveitamos para esclarecer que não só a contemplação estética é um caminho, mas que há outros que também podem ser usados como sejam a meditação holística, o êxtase que se sente numa paisagem de primavera no Brasil etc.

    Mas como legados positivos e duradouros de sua obra, citamos:
O conceito de Vontade passou a ser conhecido na Filosofia.
Sofreram, por exemplo, sua influência: Nietzsche, Henri Bergson e os pragmáticos norte-americanos.
No campo da Psicologia, suas ideias sobre desejos e frustração influenciaram as teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e Carl Jung.

    Com estas reflexões de Schopenhauer, vamos nos aproximando da Verdade, nem por isso podemos deixar de contestá-las e de reconhecer que não são imutáveis.

    Com pesar, temos de mudar nosso instrumento de exposição, que consideramos indispensável, o que faremos na outra postagem.

    No final de nosso debate, lembramos que o gigantesco progesso tecnológico que alcançamos nos dá conforto, alivia os males de certas doenças, nos aperfeiçoa, mas talvez  tenha trazido mais sofrimento, tenha causado ambição, depressão, assassinatos, roubos, violência, mais o negativo que  o positivo. Não contribui para eliminar o sofrimento do mundo. Estamos no caminho errado. Falta o humano, o criativo, o espiritual.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Nº 35 Uma visão negativa. Rumo a Schopenhauer

          
           Desculpem o longo recesso. Estivemos trabalhando numa peça de teatro e numa exposição de nossos trabalhos artísticos: pintura, fotografia e literatura.  Além disso, a “misteriosa” Internet primeiro sumiu de nosso computador, depois, não fornecia o painel do blog para escrevermos.  Tentamos, perdemos tempo e gastamos  com técnicos de Informática até conseguirmos.

       A partir do blog nº 30, vínhamos dando a nossos textos um enfoque eminentemente sócio-político, passaremos agora, sem perder, a coerência a um enfoque mais metafísico, mais especulativo que científico.  Nele aparentemente estamos nos afastando do prometido epicurismo moderno. Mas para alcançar uma vida feliz temos de constatar  para contestar a vida da maior parte dos homens  e mulheres, destituída de significação e interesse, estudando suas causas.  Hoje, achamos que as maiores causas que podemos observar estão na vedetização, na reificação (coisificação), na manipulação do homem pelo consumismo desabalado e exagerado, incentivado por propagandas insinuantes e mentirosas que procuram manter o poder do governo capitalista que, apesar da mudança brutal  para melhor que houve no Brasil com o governo de Lula e de Dilma Roussef, ainda vigora.  A mídia com seus programas principalmente de televisão e de Internet e também os Shoppings-Centers, nossas atuais catedrais, são os principais instrumentos para a manutenção desta situação.  Estamos construindo super-homens e super-mulheres virtuais e infantilizados. Não sabemos onde fica seu caráter e sua espiritualidade.

          Em seu livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, nosso imensuravelmente grande Machado de Assis, no último capítulo nos avisa com ironia que falhou a invenção do "emplasto Brás Cubas", a inspiração que veio do céu e curaria nossos males.  Sendo assim, nos tornamos eternamente hipocondríacos.  Neste capítulo, intitulado "Das negativas", o personagem nos diz: "Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento.".  Teve na vida também fatos positivos que se equilibraram com os negativos.  Mas um saldo a seu favor, que é a derradeira negativa: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.".

           Disse Brás Cubas "o legado de nossa miséria".  Agora, já não somos miseráveis homens e sim nos anulamos, como disse nosso poeta Carlos Drummond de Andrade em "Eu, etiqueta", transcrito na última postagem (nº 34).  Citamos alguns versos:

 "Já não me convém o título de homem.
Meu nome é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente."

            Entretanto, há filósofos ou artistas-filósofos, como Drummond e Machado e outros poucos homens e mulheres que nos guiam, pois conseguem sair da "caverna" e fixar a luz do lado de fora.  Embora não sejam muitas vezes citados como filósofos, têm a sabedoria da filosofia.

            A filosofia não é apenas atividade de pensadores brilhantes, porém excêntricos, como popularmente se pensa.  Filosofia é o que todos fazemos quando estamos livres de nossas atividades cotidianas e temos uma chance de nos perguntar o que é a vida e o Universo. 

          Chegar às respostas para as questões fundamentais é menos determinante para a Filosofia do que o próprio processo de busca dessas respostas pelo uso da razão, em vez de aceitar sem questionamentos as visões convencionais ou a autoridade tradicional.  Os primeiros filósofos, nas antiguidades grega e chinesa, foram pensadores que, insatisfeitos com as explicações usuais fornecidas pela religião e pelos costumes, procuram respostas embasadas em justificações racionais.  E assim como compartilhamos nossas observações com amigos e colegas, eles discutiram ideias entre si e fundaram "escolas" para ensinar não apenas conclusões a que chegaram, mas a maneira como chegaram até elas.  Eles encorajaram os alunos a discordar e a criticar ideias, como meio de refiná-las e de alcançar visões novas e diferentes. 

             Platão nos ensinou: "Questionar é o atributo de um filósofo porque não há outro início para a filosofia além desse.".  Seu mestre, Sócrates, é o maior exemplo que temos em praticar o debate e o diálogo.  Orgulhava-se de ser o mais sábio entre os homens porque sabia que nada sabia.  Quando percorria o centro comercial de Atenas, dizia aos vendedores que o assediavam: "Estou apenas observando quanta coisa existe e que não preciso para ser feliz!". 

          É a filosofia que nos dá o verdadeiro prazer de viver.  Acima de tudo, temos a satisfação de chegar a crenças e ideias por meio de nosso próprio raciocínio e não por imposição da sociedade, da religião, da escola ou dos filósofos consagrados.  A ignorância deixa o mundo em chamas, a filosofia é que as extingue.

          O início do pensamento filosófico está no desacordo, na dúvida, não apenas com os outros, mas também conosco.  Não há certezas inabaláveis.

           Aproveitando o gancho da visão negativa como indica o título da postagem, consultaremos Schopenhauer (1788-1860), filósofo polonês. 

            Na obra Parerga e Paralipomena (1851), uma glosa e comentários da obra que o imortalizou, O mundo como Vontade e representação, no capítulo XII escreve o texto "Contribuições à doutrina do sofrimento do mundo".  E como contribuiu!  Não percam, leiam Schopenhauer em Schopenhauer!  Magnífico!

            Vivia isolado neste mundo para ele, repleto de males e de homens maus.  Parece-nos que teria concordado com Brás Cubas: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.", pois era misógino e misantropo.  Machado de Assis, o criador de Brás Cubas, como Schopenhauer, também não teve filhos.  Machado, porém, casou-se e não vivia isolado como Schopenhauer.

             Este  achava que a felicidade não é senão um momento fugaz da ausência da infelicidade.  Vem daí a perspectiva de seu pensamento caracterizado como pessimista: "É uma verdade incrível como a existência da maior parte dos homens é insignificante destituída de interesse, vista exteriormente, e como é surda e obscura sentida interiormente.  Consta apenas de tormentos, aspirações impossíveis; é o andar cambaleante de um homem que sonha através das quatro épocas da vida, até a morte, com um cortejo de pensamentos triviais.  Os homens assemelham-se a relógios que se dá corda e trabalham sem saber a razão.".  Também a obra de Machado comprova muitas vezes esta citação.

            Mas não vamos imobilizar a filosofia de Schopenhauer nem a obra de Machado na classificação de pessimista.  Queremos comentar um pouco mais sobre Schopenhauer.  Faremos reflexões indispensáveis, alcance da maioria, preservando o "gostoso" de se filosofar.

            O mundo como Vontade e representação, como já dissemos, é a grande obra de Arthur Schopenhauer, publicada pela primeira vez em 1818 e pela segunda em 1844.  "O mundo é a minha representação" são as palavras como ele inicia sua principal obra filosófica.  A tese básica de sua concepção é a de que o mundo só é dado à percepção como representação.  Todo homem toma os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo.  Carlos Drummond de Andrade dirá no século XX: "O mundo é só um ponto de vista.".

            A Crítica da razão pura de Immanuel Kant, publicada em 1781, introduziu o conceito de "coisa em si", que Schopenhauer usa como ponto de partida para suas ideias.  Kant dividiu a realidade do mundo em fenomênica, que parte de nossas percepções e da "coisa em si" (a essência íntima das coisas).  Esta é instransponível para a razão humana, segundo Kant, portanto, além do nosso alcance.  Para Schopenhauer, embora essa essência íntima das coisas (mundo numênico) esteja encoberta pela representação e seja impermeável ao entendimento, ela é, no entanto, apreendida pela intuição.

            A ideia do conhecimento limitado à experiência não era inédita.  O filósofo pré-socrático Empédocles, tinha dito que "cada homem acredita apenas em sua experiência".  No século XVII, John Locke afirmou que "nenhum conhecimento do homem pode ir além de sua experiência".  Aristóteles (384-322 A.C.) disse que "nada chega ao intelecto, antes de passar pelos sentidos".  Protágoras (481-411 A.C.), um sofista, é o autor da famosa frase "O homem é a medida de todas as coisas.".

            Schopenhauer, além disso, nos dá conceito de Vontade que vai numa significação muito maior que aquela que na linguagem corrente empregamos esta palavra.  Trata-se de uma Vontade universal para representar uma energia pura que não tem direção ativa e mesmo assim é responsável por tudo o que se manifesta não só no mundo numênico mas também no mundo fenomênico: no instinto sexual, no crescimento das plantas, nas pedras, enfim no perpétuo movimento da vida e da morte.  A Vontade do mundo não indica o tempo, nem segue leis espaciais ou causais.  ela deve ser atemporal e indivisível e da mesma forma devem ser nossas vontades individuais.  Segue, então, que a Vontade do Universo e a vontade individual são uma única coisa e o mundo fenomênico está sobre o controle dessa Vontade vasta e imotivada.

             Ele estudou, em detalhes, pensadores e religiões orientais.  No Bhagavad Gita, hindu, viu que Krishna, o cocheiro diz à Arjuna que o homem é escravo de seus desejos, a menos que consiga se libertar deles.  Para Schopenhauer, o mundo não é bom nem ruim, mas sem significado, e os homens que lutam para encontrar a felicidade alcançam na melhor das hipóteses a satisfação de um desejo que abrirá a porta para outros desejos - e na pior, dor e sofrimento.  Ele acredita na reencarnação, que para aqui viemos a fim de expiar nossas faltas.

             A única saída dessa condição miserável, de acordo com Schopenhauer, é a não existência ou, pelo menos, uma privação da vontade de satisfação.  Propõe que o alívio pode ser buscado por meio da contemplação estética, especialmente da música, a arte que pode libertar-se da representação do mundo fenomênico.  Aqui, a filosofia de Schopenhauer ecoa o conceito budista do nirvana (estado transcendental, livre do desejo e da dor).  Novamente reflete a filosofia oriental quando ensina que as vontades individuais e a do Universo são uma única coisa e diz que, por isso, podemos descobrir uma empatia com o mundo e tudo mais.  Nascendo o altruísmo que passa a compaixão, desaparecendo o egoísmo.  Aí está um legado seu que é otimista.