sábado, 21 de agosto de 2010

N° 17 Mitos e Ídolos - Continuação

Este blog é uma continuação do anterior. Tivemos que dividi-lo por exigências técnicas da impressão.
Conectando as duas partes de nosso artigo Mitos e Ídolos, inserido, portanto, nos blogs nº 16 e 17:
o ídolo é ídolo porque revela um mito. Lembremo-nos que o mito é sempre uma estorinha que impregnou profundamente nosso inconsciente. Ele se apóia nos arquétipos: os protótipos dos conjuntos simbólicos do inconsciente coletivo, descoberto por YUNG. Os arquétipos são uma forma de representação dada a priori . As representações não são herdadas, somente suas possibilidades de representação o são. Eles se manifestam como uma espécie de consciência coletiva e se exprimem através de símbolos particulares, carregados de um grande poder energético. Citamos no blog nº 16 Michel Jackson, cantor e dançarino que eletriza multidões. Emissor e receptores juntos realizam uma catarse violenta e encarnam o mito da liberdade.
As intuições míticas são de valor perene porque exprimem os mais recônditos níveis de estruturação da psique humana, da qual o consciente lógico é apenas uma expressão. As imagens, que muitas vezes representam os mitos, auditivas, visuais e outras, despertam os arquétipos adormecidos.
Estamos no terreno da Psicologia Analítica, fascinante, mas que temos de abandonar para não perder o fio da meada. Os interessados procurem os especialistas do assunto.
Há mitos brasileiros muito evidentes que se relacionam com o futebol: O garotinho que jogar bem o futebol será descoberto pelo empresário que o levará para grandes clubes, principalmente fora do Brasil e ele se enriquecerá, arranjará namoradas famosas, tornará sua família também famosa e rica. É o mito do sucesso. Criam-se as escolinhas do futebol e multiplicam-se as peladas. Multiplicam-se os ídolos: os ronaldos, os kakás e muitos outros. Dê uma bola de presente a uma criança e ela terá um futuro de campeão, de vencedor!...É uma estória brasileira muito arraigada.
Nostalgicamente, afirmamos que o brasileirinho escolhido se descaraterizará como jogador brasileiro. Não será um Pelé ou um Garrincha ou um Leônidas. Se quisermos que sejam campeões nas competições esportivas terão que se transformar em jogadores que interessam muito mais ao mundo dos negócios que ao grandioso mundo da Arte.
É bom considerar-se que a sociedade moderna vive sucumbida no mundo-objetivo que ela mesma criou. Qual Narciso, em adorando a objetividade, de fato, não faz senão adorar a si própria.
A civilização do consumo é frustrante, porque destruiu a dúvida, perdeu o senso da sadia discussão, diluiu os sonhos, a poesia, a arte, o sexo, a moral , Deus. Seu interesse está na certeza de seus projetos, baseados na visualização dos bens que ela oferece. Isso é positivo porque reclama outro espaço, outro horizonte, onde os objetos, as mercadorias não escravizem, onde é possível a criatura humana se pensar.
Há uma degradação do que se chama cultura. Mas insistimos distribuindo pílulas de filosofia.
Após a digressão, continuamos...
Analisando o futebol brasileiro, muitos outros mitos descobriremos. Ainda desejamos citar um verdadeiro fenômeno sociológico, chamado nação rubro-negra. Há muito ser flamenguista não se esgota na mera torcida. Há um estado de espírito flamenguista, uma flama, subjacente a uma paixão rubro-negra. Ser flamengo corresponde a uma instância misteriosa, superior a quase todas as demais.
No interior do mito rubro-negro, pulsa um poderoso material de estudo político, social e psicológico de segmentos urbanos do povo brasileiro. Pode explicar-se,em parte, como sendo uma compensação projetiva da ânsia destes segmentos populares de participarem do processo de ascensão social. O que a sociedade como um todo nega à maioria, esta o compensa de maneira projetiva. Não é só isto não. Há o inexplicável unindo a nação rubro-negra assistemática, dispersa e, ao mesmo tempo, poderosa e unificadora.
No futebol, o povo representa seu conflito básico; a luta entre o destino e a possibilidade de interferir na própria vida, planejando-a e pondo-a a seu serviço.
Observe os fenômenos referidos, comente-os, descubra outros, escreva e divulgue.
E não é só no futebol, não. Outro ídolo que nos impressiona é, por exemplo, Roberto Carlos, o rei simbólico que encarna o mito do lugar comum. Ele consegue equilibrar sua sensibilidade romântica, a força de seu talento e as dores de suas amarguras. Além de representar a frustração, transforma-a em arte, em canto, em poesia, sem se exceder. Assim recebe a adesão emocional de todos. Idolatrado, de um modo inédito, há mais de 50 anos.
Notamos agora que não temos mais tempo de continuar escrevendo. O devorador Cronos, pai de Zeus, este o deus que puniu severamente seu filho Prometeu, veja o blog nº 12, devorou nosso tempo. Cronos é o tempo, come tudo, só não devorou Zeus porque Gaia, a esposa de Cronos e mãe de Zeus, não deixou e incentivou o filho a destronar o pai. Mesmo destronado, o Tempo deve sempre ser vigiado.
A mitologia não tem fim mas Cronos nos obriga a parar.

sábado, 14 de agosto de 2010

N º 16: Mitos e Ídolos

Que vem a ser um mito? São tantas as respostas! A nossa preferência recai no seguinte: Mito é a representação simbólica das lutas interiores e exteriores realizadas pelo homem, no caminho de sua evolução, na conquista de sua personalidade e na satisfação de seus desejos.



Este é:



fantasioso- apela para as forças da imaginação;



pouco lógico- não tem coerência interna, é contraditório;



explicativo- se não tiver por função explicar algum fenômeno, alguma coisa, não é mito.



Idolos são pessoas idealizadas e detentoras de poderes e atitudes com quem uma boa parte da população se identifica e nas quais se projeta, por relizarem aquilo que cada um gostaria de fazer e não consegue ou que apresentam defeitos que cada um ama e teme ao mesmo tempo e que não tem coragem de reconhecer em si. É o público que fabrica o ídolo e que o cultua e o destrói. O ídolo serve para substituir a si próprio numa autoadoração ou autocastigo.



São os deuses, os olimpianos. as vedetes da sociedade. Há os ídolos do esporte, da canção popular, da televisão, da política etc. Na política, por exemplo, o Lula, nosso presidente, já citado no blog nº 1, é um deles. No futebol, Pelé, a que já nos referimos no blog nº 15. Dos estrangeiros chama a atenção, como cantor, Michel Jackson, americano. O leitor pode dar muitos outros exemplos.



Em nossa idolatria, queremos que nossos ídolos sejam os mais belos, poderosos e sábios do mundo. Já que não temos suas qualidades, nossas frustrações são, em parte, aliviadas, as tensões são recalcadas. E, quando descobrimos seus insucessos ou nos conscientizamos que somos inferiores ao retrato sonhado, nos decepcionamos amargamente. São, portanto, uma faca de dois gumes.



Os padres, os pastores, os ricos, os pobres, os gordos, os magros, todos imitamos os ídolos. Para conservarmos nossa boa aparência até depois de mortos, inventamos a necromaqiagem e a tanatoplastia. Há uma verdadeira prostituição da aparência. E o comércio leva as vantagens.






Os mitos são inúmeros e de qualquer nacionalidade. A mitologia, isto é, a narrativa que estuda os mitos é interminável.



Alguns poucos exemplos:






1. O homem tem idealizado o fim do mundo desde que tomou consciência dele. As antevisões de catástrofes assolam de preferência as sociedades em crise. No fundo, é uma desadaptação às transformações geográficas e sociais, é o horror ao desconhecido existente no enfrentamento das mudanças. A queda de sistemas sociais ultrapassados, a dos grandes impérios, as perturbações climáticas, as guerras podem levar algumas pessoas a pensarem que o mundo marcha para um fim catastrófico, apocalíptico. Frequentemente essas visões horríveis são a matéria-prima da eleboração dos mitos. È preciso lembrar que nossos pensamentos têm força. Se persistirmos na idéia que vem o fim do mundo, ele virá mesmo.






2. Os gregos primitivos afirmavam que a Terra era sustentada no espaço nas costas do gigante Atlas. Este estava em cima de uma tartaruga. E esta? Não se fazia esta pergunta.




Imagine o choque que o povo sofreu coma as pesquisas de Galileu Galilei, afirmando que a Terra não era o centro de nosso sistema planetário e sim o Sol. Não éramos mais o centro, que humilhação! E quanta instabilidade! Galileu se livrou por pouco de ser queimado pelo Tribunal da Inquisição.




3. Os trabalhadores quase sempre são Atlas, suportam sobre seus ombros todo o peso do mundo. Nós, os professores, os escritores, os artistas, os filósofos e todos que trabalhamos com paixão e ardor, além disso, podemos nos representar pelo mito de Sísifo.


Rei e fundador da cidade de Corinto, Sísifo, após sua morte, considerado culpado pelos deuses, foi condenado a eternamente empurrar pela encosta de alta montanha uma pesada pedra, que sempre cai antes de chegar ao cume. Ele desce a encosta e recomeça seu trabalho, sem mesmo um instante para descanso, dia após dia. Tentamos superar nossa condição, como este mito. Nosso heroísmo consiste em aceitar semelhante esforço. Cá estamos nós até hoje, empurrando nossa pedra.


Destinado à morte, o ser humano sonha com a imortalidade. E sentimos a felicidade que nasce da aceitação de nossa tarefa. Pela transcendência do fardo do trabalho, experimentamos o prazer do trabalho criativo. Trabalhar é nossa alegria profunda, é o sentimento de reencontro com a liberdade e com a certeza de que teremos de recomeçar, recomeçar...


Sísifo é o patrono dos operários do verbo, é o nosso patrono. Moldamos as palavras como ele leva a pedra para o alto da montanha.


Há uma poesia de Baudelaire que diz:




Para erguer peso tão pesado,


Sísifo, seria preciso tua coragem!


Embora se ponha o coração na obra,


A arte é longa e o tempo é curto.




4. A Bíblia também é constituída por mitos, são os mitos judaico-cristãos. E para acreditar na estorinha que diz que o homem vai dominar sobre as outras criaturas, só podemos fazê-lo, se confiarmos em nossa consciência que nos permite transcender.