sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Nº 37 Poemas para pensar

                                       Mas...

                               Antônio Roberto Fernandes

                                      E eu que achei que a lua não brilhasse
                                      sobre os mortos no campo da guerrilha
                                      sobre a relva que encobre a armadilha
                                      ou sobre o esconderijo da quadrilha,
                                      mas brilha.

E achei que nenhum pássaro cantasse
se um lavrador não mais colhe o que planta,
se uma família vai dormir sem janta
com um soluço preso na garganta,
mas canta.

                                     Também pensei que a chuva não regasse
                                      a folha cujo leite queima e cega,
                                     a carnívora flor que o inseto pega
                                     ou o espinho oculto na macega,
                                      mas rega.

Pensei também que o orvalho não beijasse
a venenosa cobra que rasteja
no silêncio da noite sertaneja
sobre as ruínas da esquecida igreja,
mas beija.


                                        Imaginei que a água não lavasse
                                        o chicote que em sangue se deprava
                                        quando, de forma monstruosa e brava,
                                        abre trilhas de dor na pele escrava,
                                        mas lava.

Apostei que nenhuma borboleta
- por ser um vivo exemplo de esperança-
dançaria contente, leve e mansa
sobre o túmulo em flor de uma criança,
mas dança.

                                         Por isso achei que eu não mais fizesse
                                         poema algum após tanto embaraço,
                                         tanta decepção, tanto cansaço
                                         e tanta espera, em vão, por teu abraço
                                         mas faço.

     Versos simples e expressivos que nos trazem uma provocação filosófica e teológica.
      Onde está Deus, fonte de bondade e justiça, que não interfere nos acontecimentos narrados? Ele é indiferente aos seres humanos? É um mistério...

      "A mais bela e profunda emoção que podemos viver é a sensação de mistério. é ela a fonte de toda verdadeira ciência. Aquele que não conhece essa emoção, que não pode se maravilhar e sentir-se pasmo de admiração, está praticamente morto. O sabermos que aquilo que é impenetrável para nós realmene existe, manifestando-se como a mais sublime sabedoria e a mais radiante beleza, que nossas débeis faculdades podem apreender somente em suas formas primitivas, este conhecimento, este sentimento é a essência da verdadeira experiência." Albert Einstein

     Preside aos fatos do poema "Mas..." uma força atemporal, anespacial, não causal, imotivada, indivisível, que não tem direção ativa, pura e que mesmo assim é responsável por tudo que se manifesta  no mundo numênico e no fenomênico, no perpétuo movimento da vida e da morte.
     Schopenhauer a chamaria de Vontade. Diz ele que o simples ato de levantar um braço é um ato de Vontade. Está no mundo numênico e no fenomênico. Do numênico vem a ordem, a execução da ordem inscreve-se no fenomênico.
    "E achei que nenhum pássaro cantasse.. mas canta." Mas, mas etc. Dizemos nós: as leis cósmicas se cumprem. Se são más ou boas, é um julgamento do homem. Não existe o bem e o mal, fora de nossa cabeça. Nós é que criamos o "bem e o mal". O bem é a presença de Deus, o mal é a ausência de Deus. E muitas vezes não sabemos distinguir o que é um ou outro.
    Para continuar este assunto, vamos transcrever o poema "Bolas de aniversário" de Nando, escrito por ele quando completou 60 anos, no ano de 2012.

Uma festa de felicidade
Recebi diversas caixas de presente.
Um lindo bolo e as bolas de aniversário.
Tudo doce.
Quanto glacê!

                                                                    As bolas que brilham
                                                                    Cheias de ar
                                                                    São de beleza efêmera.
                                                                    Explodem!
                                                                    Provam que o tempo
                                                                    É implacável.

     As leis cósmicas se cumprem. O ser vivo nasce e tem que morrer. É inexorável! O tempo não perdoa.
     É preciso saber viver para não ficar num "Circuito fechado". Ainda é Nando que escreveu uma crônica com este título e a dedicou a Samuel Becket.

     Ato I, parágrafo único

    Manhã - roleta no número de gravata, onde às vezes, o cinema rebolava um sábado.
    Na noite com luz, ainda havia o cigarro.
    Dentro do ônibus um homem trocava ruas e mesmo com a trepidação apertada, conseguia ver no jornal em alta velocidade: cachorro-quente embrulhado no jornal de ontem. Talvez já frio.
    Então desistiu, disse que a avenida não era de guarda-chuva, e foi aí que procurou a caixa de fósforos.
    Todo dia andava sem  caixa de fósforos; nu, nu como se estivesse sem caixa de fósforos.
    Cai o pano. E um tremendo cheiro de esgoto na plateia cheia, onde ninguém aplaudiu nem vaiou.

    É esta a crônica, um pouco ilegível e muito literária. Muito metafórica. Este é o mundo de quem está "preso na caverna" !
    E Nando vai dizer que a "Liberdade" é possível. Vejam:

Aterrissei num mundo tatuado de nomes,
As cabeças cheias de preconceitos.
O sistema burocrático, os tabus em ação.
O gordo deveria emagrecer,
Os fracos obedecerem,
Os ricos ficarem cada vez mais ricos.
Liberdade só fora do verbal e do racional.
Me ergui desnudo e livre
Buscando a liberdade dentro de mim.
Sou livre.

    Não vamos dar a receita. Que cada um procure seu caminho. Vamos apenas comentar um pouco. Não dependemos só do destino, nossas escolhas também funcionam. Funciona o livre arbítrio.
    As reflexões filosóficas nos ajudam. Assim, é bom pensar e sentir que Deus é a causa de tudo; tudo que existe, existe em Deus, como disse Bento de Espinosa (1632-1677), filósofo da Renascença. Sua teoria é explicada na Ética. É frequentemente classificada como panteísta, a crença que Deus é o mundo, a natureza e que o mundo é Deus, mas que Deus é mais que o mundo.
    Ele é a causa de tudo que existe, no entanto, não é uma causa transitória, algo externo que traz o mundo à existência. Deus é a causa imanente do mundo, isto significa que a existência e a essência do mundo são explicadas pela existência e essência de Deus. É bom estudar as teorias de Espinosa e outras para não explicar tudo com a frase comodista: "Foi Deus que quis".
    Agora, falamos nós, Anna e Nando:

    Não antropomorfizar Deus!
    Quando estivermos em desarmonia, quando o circuito estiver fechado pelo desinteresse, pela apatia, pela angústia ou por outras causas, temos que nos tratar metafisicamente com o que está dentro de nós. Diz o eu-lírico de "Liberdade" - "Me ergui desnudo e livre / Buscando a liberdade dentro de mim. Sou livre." O que nos liberta para o Bem é o Divino que está em nós, o Mestre Interior, o Eu Espiritual, o Self, o Cósmico. Temos que ter a consciência e a compreensão da imensidão e do poder de Deus, mas também a percepção mais íntima e maravilhosa de "Deus Presente" direta e pessoalmente em nosso próprio ser. A nossa união com Deus, com o Todo torna-se uma experiência.Podemos exclamar: Estamos no Ser Cósmico. Estamos em Deus.
     Temos que atingir o panenteísmo - compreender e sentir que Deus está em tudo. No momento em que Deus está em nós e que estamos em Deus, não adoecemos, não temos depressão e nem estamos em pecado. Estamos livres no bom sentido. O "mal" não existe, diante da Onipotência, ele se torna impotente.
     Precisamos sempre de uma ajuda: uma terapia, uma sociedade iniciática e outras.
    Nascemos para evoluir, para nos completar. Somos seres "en defaut", estamos nos fazendo. "Não nascemos prontos!" como diz Mário Sérgio Cortella no seu livro que tem este título. Na Internet: www.vozes.com.br. Que seja nosso livro decabeceira.

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