quinta-feira, 14 de outubro de 2010

nº 19 Entrevista com Édipo Rei

Daremos a palavra a Édipo Rei, também um mito grego e também caro aos psicanalistas, como Prometeu, que estudamos anteriormente. Transcreveremos uma ligeira peça de teatro que compusemos e representamos em público. Anna desempenhou o papel da jornalista entrevistadora e Nando o de Édipo.

A. _ Vou ao Tártaro entrevistar Édipo Rei, o mito mais badalado do Ocidente. Parto para um abismo nas profundezas do inferno. A entrevista será televisionada, liguem para o canal zero para assistirem. Zum um um um... Que lugar horroroso em que foram aprisionar Édipo! Édipo, Édipo, Édipo. Onde está ele? Achei! Édipo, preciso falar com você.
E. _ Pois não! Por favor pode me julgar e também meus amados semelhantes da platéia podem me julgar.
A. _ Você está pagando por seu nefasto crime: você matou seu pai, se casou com sua mãe e teve com ela 4 filhos.
E. _ Isto é invenção dos mitólogos. Não matei meu pai nem me casei com minha mãe. Pago pelo crime que Sófocles e um tal de Sigismundo Freud inventaram.
A. _ Toda invenção, Édipo, se apoia em alguma verdade. Conte-me sua verdade.
E. _ É óbvio que Laio , meu pai, se casou com Jocasta, minha mãe e que eu nasci. Isto é notório,é evidente. Ele em solteiro inaugurou os amores homossexuais na Grécia, raptando Crisipo, o belo e jovem filho de Pélops e se envolvendo sexualmente com ele. Aliás uma preferência sexual de tanto futuro e tanta tragicidade no mundo inteiro... Era um inseguro e teve medo de mim, teve medo de ser castigado por seu abuso, por isso quis me matar.
A. _ Não dê voltas, Édipo, você foi o pior dos mortais, matou seu pai e casou-se com sua mãe.
E. _ Eu ignorava que Jocasta era minha mãe e que Laio era meu pai. Eles me rejeitaram. Aceitei a mão de uma bela e desejada rainha que me foi oferecida, privilégio que recebi como prêmio por minha vitória contra a Esfinge que assolava Tebas.
A. _ Você é um mentiroso: que Esfinge é esta?
E. _ Eu viajava, por necessidade, de Corinto, onde vivi, para Tebas. Quando entrei em Tebas, encontrei uma população em pânico, pensei até que estava entrando no Brasil, na época da ditadura militar. É que todos estavam com medo da Esfinge. Consegui entrar porque eu tinha decifrado o seu segredo.
A. _ Você sempre mentindo e querendo ser herói.
E. _ Explico: Um terrível monstro estraçalhava que não decifrasse seu enigma. Ali estava ele no meu caminho, um terrífico pesadelo que parecia emergir do mundo dos mortos. Cabeça e peito de mulher, corpo de cachorro, garras de leão, cauda de dragão e asas de passarinho. "Decifra-me ou devoro-te". Propôs-me a pergunta, confiante e esboçando seu famélico sorriso: "Qual é o animal que tem voz, e que, de manhã, anda com quatro pés, ao meio-dia com dois e, à tarde, com três ? Não tive medo, pois só quem é ignorante tem medo. Olhei fundo nos olhos, da Esfinge e respondi: O animal que tem voz, e que, de manhã, anda com quatro pés, ao meio-dia com dois, e, à tarde com três, é o homem. Na manhã da vida, engatinha, anda com quatro pés, no seu meio-dia, firme e ereto, caminha apoiando nas suas duas pernas e, na velhice, isto é, ao entardecer de seu percurso existencial, vergado no chumbo dos anos, vale-se de um bastão, sua terceira perna, para prosseguir até o final de seus dias. A Esfinge, desesperada, jogou-se no precipício e morreu.
A. _ Você foi um cabotino: você é um ignorante , não conhecia nem seu destino e nem sabe quem é o homem.
E. _ Mas isto ela não me perguntou e eu precisava entrar em Tebas.
A. _ Jocasta não estava casada com Laio? Como lhe ofereceram a mão dela?
E. _ Todo mundo sabe, era minha sina. Aqui onde estou não há lugar para as fraquezas humanas. Conto-lhe sem mágoa e sem melancolia. Antes do episódio com a Esfinge, no meio de meu percurso, rumo a Tebas, fugindo de meu destino, surgiu uma luxuosa carruagem com um solitário viajante e uma escolta de cinco vigorosos soldados. O viajante era o Rei Laio, meu pai, e eu não sabia. Orgulhoso, gritou: "Afastai-vos, caminhante equivocado! Abri caminho a quem tem o mando da estrada". Revidei gritando energicamente: Saia você da minha estrada. Ele não saiu. Desceu do carro. Lutamos e eu matei meu desafiante. Ali começava meu mito.
A. _ É você está sendo o bode expiatório, está sendo condenado pelos crimes da humanidade. Dizem que você é deflagador da grande e terrível mudança no processo civilizatório, desrespeitando o nome do pai e o nome da mãe. Injustamente você foi marcado desde seus calcanhares infantis. Você existe mais no espaço do símbolo que no espaço da vida. E tem o mérito de ter propiciado o aparecimento de tanta obra literária e de ajudar a explicar tantos desencontros. E, se não fosse o célebre "complexo de Édipo", que seria dos psicanalistas e dos analistas?
E. _ Vocês me condenam ou me absolvem? (para a plateia)

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