sábado, 27 de agosto de 2011

nº 29 A inteligência trágica na poesia de Augusto dos Anjos

Continuamos estudando Augusto dos Anjos, o poeta da estética do horrível, pois o horrível também pode produzir beleza.

A fisiologia atual do cérebro descobre uma ligação entre a excitação de centros nervosos topograficamente distanciados e a agitação emocional. As dissonâncias unem imagens díspares, fazem a excitação destes centros nervosos distanciados.

A poesia de Augusto dos Anjos está repleta de idéias chocantes , de dissonâncias fono-léxico-semânticas. Não busca somente nadar contra a corrente, no sentido formal de protesto contra a lisura e a harmonia do verso convencional, mas antes deseja representar enfaticamente fatos significativos de sua vida cheios de contradições , estremecidos pelas lutas, patéticos.

Influências mesológicas e sociais, como a decadência econômica por que passava o Nordeste Brasileiro, a formação cultural do poeta, seu temperamento, sua psique, sua doença propiciaram a criação de uma obra literária que apavora os leitores choramingas e sentimentalóides. Ler a sua obra é combater a preguiça mental.

O poeta surpreende-se frequentemente diante de uma vida sem amor, sem grandeza, sem explicação e ameaçada pela morte, pois foi tuberculoso numa época em que a tuberculose não tinha cura. Morreu aos 30 anos de idade. Em busca do unívoco e do absoluto, debate-se na solidão, entre as ambiguidades e contradições do mundo e um deus mudo e escondido. Vemo-lo às voltas com suas apreensões, motivadas pelas descobertas de suas contigências que são basicamente as contigências da criatura humana: perder-se na "teimosia da multiplicidade", não sabendo regressar à unidade.

Não conta suas penas para outra pessoa. Parece que se dirige à divindade e esta não lhe dá atenção. O pensamento não pode desprender-se das redes que o proíbem de saber a razão de sua perda. Pode-se dizer que se conserva como o Édipo de Sófocles num discurso emocional que exprime sua incapacidade de compreender, de ter uma resposta sobre algo que o transcende. Melhor definindo, é um grito próximo de um solilóquio. O eu-lírico o mais das vezes, vai gritando sozinho, sob os maus tratos do destino, não se cansa de apontar o mecanismo terrível do mundo que o mutila mas não se desvenda.

Apoiados n'A origem da tragédia de Nietzsche, que deve ser estudada à parte, bem como o Eu e outras poesias de Augusto dos Anjos e sua biografia, consideramos a mencionada obra poética "uma trágica festa emocionante", aproveitando uma expressão que o próprio autor usou no poema "Monólogo de uma sombra". O sofrimento e a destruição do indivíduo causando o prazer metafísico trazem instintiva e inconscientemente a sabedoria dionisíaca em linguagem de imagem. O herói da tragédia, a maior aparição de vontade, por ser apenas aparição, não prejudica com sua destruição a vida eterna da vontade. Nietzsche toma vontade aí num sentido ampliado e inesperado, como fez o filósofo Schopenhauer, englobando todas as forças do mundo e da natureza.

Com uma alegria embriagante combinada com um prazer apolíneo, proporcionado pela organização parnasiana dos versos e, ao mesmo tempo, realçando os comentários filosóficos que estamos tecendo, transcreveremos três poemas de Augusto dos Anjos . Procuraremos reproduzir a ortografia que ele usou.

VOX VICTIMAE

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Morto! Consciência quieta haja o assassino

Que me acabou, dando-me ao corpo vão

Esta volúpia de ficar no chão,

Fruindo na tabidez sabor divino!

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Espiando o meu cadáver resupino,

No mar da humana proliferação,

Outras cabeças apparecerão

Para compartilhar do meu destino!

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Na festa genethliaca do Nada,

Abraço-me com a terra atormentada

Em contubernio convulsionador...

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E ai! como é boa esta volúpia obscura

Que une os ossos cansados da Creatura

Ao corpo ubiquitario do Creador!

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Nota-se o prazer erótico do poeta ao exaltar-se numa busca festiva de união com a terra e o Criador. A vítima tem a alegria em ser imolada, encontra o prazer pelo aniquilamento e pelo retorno ao seio do Uno-Primitivo, nas palavras de Nietzsche. É a aliança fraternal da arte pela excitação tanto apolínea quanto dionisíaca. "Que a mais alta expressão de dor estética/ Consiste essencialmente na alegria -nos diz o poeta no "Monólogo de uma sombra".


LOUVOR À UNIDADE


Escaphandros, arpões, sondas e agulhas

Debalde applicas aos heterogeneos

Phenomenos, e, ha innumeros millenios,

Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!

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Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,

Com essa intuição monística dos gênios,

À hirta fórma fallaz do 'oere perennius'

A transitoriedade das fagulhas!

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_ Era a estrangulação, sem retumbancia,

Da muti-millenaria dissonancia

Que as harmonias sideraes invade...

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Era, numa alta acclamação, sem gritos,

O regresso dos átomos afflictos

Ao descanso perpetuo da Unidade!

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Para Augusto dos Anjos, o encontro com a Unidade prende-se ao monadismo, ao desejo de encontrar a unidade perdida.

Também revelando a alta literariedade de sua obra e sua incontestável inspiração de artista, transcreemos "O lamento das coisas ":

Triste a escutar, pancada por pancada,

A successividade dos segundos,

Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,

O chôro da Energia abandonada!

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É a dor da Força desaproveitada,

- O cantochão dos dynamos profundos,

Que, podendo mover milhões de mundos,

Jazem ainda na estática do Nada!

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É o soluço da fórma ainda imprecisa ...

Da transcendência que se não realisa...

Da luz que não chegou a ser lampejo...

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E é, em suma, o sub-consciente ai formidando

Da Natureza que parou, chorando,

No rudimentarismo do Desejo!

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Pensamos que o poeta foi um paragnosta que, hoje, poderia ser tratado e estudado pela Parapsicologia. Entretanto, nasceu na Paraíba no ano de 1884...


No blog nº8, Dialogismo, dialogamos com o"Bhagavad Gita",livro sagrado do hinduísmo, com Pitágoras, Heráclito, com o mito de Adão e Eva na Bíblia, para refletirmos sobre a unidade e a multiplicidade. Leia-o. Mostramos nossa contigência em buscar o entrelaçamento de unidade e multiplicidade . Apresentamos a mesma busca no blog anterior a este, nº 28. Discursos diferentes, atitudes diferentes para, em essência, expressarem uma só verdade.

Francis Bacon(1561-1626), considerado o Aristóteles da Idade Moderna, afirmou que:

A poesia dramática é a que melhor pode retratar as paixões humanas com finalidade educativa, ao colocar em cena não só indivíduos mas também conceitoa gerais abstratos.






2 comentários:

  1. Uma pedra preciosa, lapidada, por mais que tenha sofrido com a erosão, descuido ou abandono, por menor que seja seu fraguimento, dará pista do seu valor; assim, também mostrará aquele que é sábio ou tem arte, algo de bom mesmo no sofrer. Parabéns Dinah; a propósito, adorei a matéria da revista Nova Visao dez/jan 11: Reflexos.

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  2. Querida Dinah
    Não sei como me desculpar pelo terrível erro postado anteriormente. Um grande abraço, Jurandi

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